Herdeiros da Samsung: erros e desafios de uma sucessão bilionária
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Herdeiros da Samsung: erros e desafios de uma sucessão bilionária
23 set 2024
A sucessão da Samsung após a morte de seu fundador Lee Kun-hee trouxe desafios financeiros significativos para sua família, especialmente devido aos altos impostos de herança na Coreia do Sul.
Para manter o controle do conglomerado, os herdeiros recorreram a empréstimos garantidos por ações, uma decisão que expôs a família a riscos.
No entanto, uma estratégia alternativa, como um seguro de vida, poderia ter gerado a liquidez necessária sem comprometer a participação acionária da família.
Império de Lee Kun-hee
Lee Kun-hee, a mente por trás do império Samsung, deixou sua marca na história dos negócios globais.
Sob sua liderança, a Samsung se transformou de uma fabricante local de eletrônicos em um gigante mundial, com produtos que vão desde smartphones a semicondutores.
Quando Lee faleceu em outubro de 2020, o mundo dos negócios ficou atento para ver como sua família lidaria com um dos maiores desafios de sucessão corporativa da história recente.
Com uma fortuna avaliada em bilhões, a tarefa de transferir esse legado para a próxima geração não seria nada fácil.
Imposto recorde
O primeiro grande obstáculo que os herdeiros enfrentaram foi o imposto exorbitante sobre herança da Coreia do Sul, conhecido como um dos mais altos do mundo.
Estima-se que a conta tributária que a família Lee precisaria pagar fosse de impressionantes 12 trilhões de won, algo em torno de US$ 9,2 bilhões.
Para qualquer família, esse valor já seria astronômico, mas para os herdeiros da Samsung, representava um desafio ainda maior: como pagar essa soma sem perder o controle do conglomerado construído por Lee Kun-hee?
Empréstimos garantidos por ações
Ao se deparar com essa questão, a família optou por uma abordagem estratégica. Em vez de vender grandes blocos de ações da Samsung, o que poderia diluir seu controle e influenciar negativamente a empresa no mercado, decidiram aumentar seus empréstimos garantidos por ações.
Porém, essa decisão resultou em um salto nos empréstimos da família, quadruplicando para cerca de US$ 3 bilhões em relação ao final de 2021. Mas de onde vieram esses empréstimos? E qual era o real custo dessa decisão?
Onde foram buscar o dinheiro?
Os herdeiros recorreram a várias instituições financeiras, tanto nacionais quanto internacionais, para obter os empréstimos necessários.
Essas operações financeiras foram garantidas com ações de quatro das principais empresas do conglomerado, incluindo a Samsung Electronics e a Samsung C&T Corp., que atuava como holding de fato.
O valor total das ações prometidas como garantia chegou a US$ 13,3 bilhões, uma quantia que mostra a magnitude do risco que a família estava disposta a correr. É uma estratégia comum entre os ultra-ricos para evitar a venda de ativos, mas traz consigo uma série de riscos.
Problemas da estratégia
O principal problema com essa abordagem é a exposição a chamadas de margem. Em termos simples, se o valor das ações usadas como garantia cair, os credores podem exigir que os empréstimos sejam pagos antecipadamente, ou pior, que as ações sejam vendidas a preços baixos.
Isso não só ameaçaria a posição de controle da família sobre a Samsung, mas também poderia ter repercussões graves no mercado, considerando a importância da empresa na economia sul-coreana.
Além disso, essa estratégia expôs a família a críticas de acionistas e do público em geral. Há uma percepção de que, ao recorrer a empréstimos em vez de pagar impostos diretamente, os herdeiros estariam colocando seus interesses acima da transparência e da responsabilidade corporativa.
Isso também pode ser visto como um fator que alimenta o "desconto coreano", uma tendência de subavaliação das ações de empresas controladas por famílias na Coreia do Sul, devido a preocupações com governança e conflitos de interesse.
Seguro de vida na sucessão
No entanto, e se houvesse uma forma de gerar liquidez imediata, sem precisar se desfazer de ativos ou assumir dívidas que pudessem comprometer a estabilidade futura do império?
Um seguro de vida bem estruturado poderia ter sido uma solução estratégica para a família Samsung. Em muitos casos, grandes conglomerados e famílias abastadas utilizam seguros de vida como parte integrante do planejamento sucessório.
A razão é simples: o seguro de vida fornece uma quantia em dinheiro (indenização) diretamente aos beneficiários após a morte do segurado, sem a necessidade de vender ativos ou recorrer a empréstimos.
Essa indenização pode ser usada para pagar impostos, dívidas e outras despesas relacionadas à transferência de patrimônio, evitando assim o desgaste de vender partes valiosas do negócio ou incorrer em empréstimos arriscados.
Como isso funcionaria na prática
Se Lee Kun-hee tivesse contratado um seguro de vida com uma cobertura suficiente para cobrir o valor do imposto sobre herança, a família poderia ter recebido uma indenização de, por exemplo, US$ 10 bilhões.
Essa quantia poderia ser imediatamente direcionada para o pagamento dos impostos, eliminando a necessidade de recorrer a empréstimos garantidos por ações e, consequentemente, evitando os riscos de chamadas de margem e venda forçada de ativos.
Essa abordagem teria dado à família a tranquilidade de manter sua participação acionária intacta, evitando a diluição de controle. Além disso, a empresa não teria sofrido com as incertezas do mercado relacionadas às possíveis vendas de ações ou à preocupação dos investidores com a estabilidade da sucessão.
Benefícios além da liquidez
Além da óbvia vantagem de fornecer liquidez imediata, um seguro de vida como parte do planejamento sucessório traz outros benefícios:
- Flexibilidade: Os beneficiários podem usar o montante da indenização como acharem melhor, seja para pagar impostos, saldar dívidas ou investir em outros ativos.
- Planejamento fiscal: Em muitos países, o valor recebido pelo seguro de vida é isento de impostos ou, pelo menos, tem tratamento fiscal mais favorável do que a herança direta, o que pode resultar em uma economia significativa.
- Segurança e tranquilidade: Ao saber que há um plano financeiro sólido para lidar com os custos da sucessão, a família pode focar em questões estratégicas de longo prazo, sem a pressão imediata de levantar fundos.
Oportunidade Perdida?
É claro que prever todos os detalhes de uma sucessão é complexo, especialmente quando se trata de patrimônios tão vastos quanto o da família Samsung.
No entanto, a situação enfrentada pelos herdeiros de Lee Kun-hee mostra como a ausência de um planejamento financeiro abrangente pode criar obstáculos significativos.
Um seguro de vida poderia ter sido uma peça-chave nessa estratégia, fornecendo uma solução eficaz para a questão da liquidez e minimizando os riscos associados à sucessão de um império empresarial.
Reflexão para outras famílias empresariais
A história da Samsung serve como uma importante lição para outras famílias empresariais e indivíduos com patrimônios significativos.
O seguro de vida não é apenas uma ferramenta para proteger entes queridos, mas também um instrumento poderoso no planejamento sucessório.
Ele pode garantir que a transferência de riqueza ocorra de forma mais suave e controlada, sem a necessidade de recorrer a medidas emergenciais que podem comprometer a estabilidade do patrimônio e da própria empresa.
Em resumo, um seguro de vida poderia ter proporcionado uma solução mais eficiente e menos arriscada para a família Samsung, evitando os desafios que vieram com a necessidade de levantar fundos de forma urgente.
A saga da sucessão na Samsung é um lembrete do delicado equilíbrio entre legado, poder e responsabilidade.
Enquanto a família Lee luta para manter o controle do império construído por Lee Kun-hee, eles também navegam por águas turbulentas, onde cada decisão pode ter consequências de longo alcance.
João Cosme Souza e Silva Pereira
Sócio da Blue3 Investimentos e Especialista em Proteção Financeira e Planejamento Sucessório.
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